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Foto do escritorMariana Pavan

Nunca menospreze uma crise profissional (parece título de palestra motivacional, mas não é!)

Muita gente, quando conto sobre o Agiliza Lab, me pergunta de onde tive a ideia de criá-lo. Após uns bons meses matutando, senti que era hora de contar como ele nasceu, das insatisfações e frustrações que o acompanharam, mas também um pouco a que ele se propõe e dos caminhos inesperados que vêm se abrindo, além da parte prática. Vem ver : )

Tudo o que rolou antes de estar tudo direitinho assim

Pra entender o hoje, um pouco do ontem

Desde criança sou curiosa sobre como as coisas funcionam. Uma das minhas brincadeiras preferidas era abrir meus brinquedos, ver o que tinha dentro e depois (tentar) montar de novo. A oficina do meu pai era um dos meu lugares favoritos em casa e foi com ele que também aprendi muito do que sei hoje.


Cresci, saí de casa e morei com muita gente diferente – quinze amigas; com uma, duas e três amigas, com uma amiga e um amigo... cada época de um jeito. E ali, no dia a dia, eu percebia que poucas delas sabiam consertar, ou já tinham tentado consertar, coisas em casa. E não falo de consertar motor de geladeira ou algo complexo, era mesmo trocar uma resistência de chuveiro, trocar ou consertar uma torneira que não fecha direito e até trocar lâmpadas.


Uma vez, uma colega de república ficou apavorada ao me ver trocando a lâmpada da cozinha porque ficou com medo de eu tomar um choque e morrer. Perguntei se ela já tinha trocado alguma lâmpada na vida. Ela disse que nunca tinha visto alguém trocar uma lâmpada, na vida.


E isso sempre me intrigou muito porque, na maioria das vezes, com um mínimo de esforço e informação, era bem fácil resolver o problema, sem precisar chamar ninguém. E eu sou uma mulher sem nada de diferente de muitas dessas pessoas com as quais morei, talvez só o fato de ter tido alguém que me ensinou essas coisas antes de sair de casa e a curiosidade (e gosto) por fazer isso. Só.


Nunca menospreze uma crise profissional

Desde que formei, já trabalhei em temas bem diversos – mudanças climáticas, desmatamento na Amazônia, inovação social, facilitação de diálogos e processos de colaboração, e por aí vai. Sempre senti que dedicava meu trabalho a temas nos quais eu acreditava e via sentido e propósito.

Mas, uma boa parte desses trabalhos eram coisas que a gente faz só com a cabeça e com um computador na mão. E mesmo sendo feliz nisso, parte de mim se sentia (bem) frustrada, pq todos eram trabalhos bem intelectuais e eu quase nunca podia usar minha inteligência “prática”, ficava dias e dias só sentada na frente do computador. E essa frustração cresceu, até que um dia eu decidi que queria fazer algo que eu conseguisse mostrar para os outros, pegando nas mãos.

E aí comecei todo um processo de entender o que eu gostava, no que eu era boa, o que queria fazer - o que foi ótimo - mas caí de novo na reflexão só mental e depois de um tempo, me sentia mais confusa do que quando comecei.

Sei que parece aquelas epifanias bregas de filme, mas foi numa noite de insônia, muito tédio e insatisfação que, pensando em algo que havia consertado em casa, eu me liguei do quanto gostava de consertar coisas e do quanto muitas das pessoas com as quais morei ficavam impressionadas quando eu resolvia os pepinos de casa. E senti uma animação dentro de mim, como eu não sentia há mais tempo do que gostaria de admitir.... levantei e comecei a anotar essas ideias. Isso foi maio de 2017.

A partir daí, comecei a desenhar a coisa mesmo, vendo se havia cursos desse tipo, fiz alguns cursos de aprofundamento e listei o que eu sabia e gostaria de ensinar, como seria a dinâmica do curso e por aí vai. Com a ajuda de algumas pessoas bem especiais, montei um primeiro curso teste, com 6 amigas de perfis bem diferentes, e essa “edição inaugural” foi simplesmente incrível! Como eu me diverti falando de alicates, de elétrica, ensinando cada uma delas a furar uma parede... e como me senti tão encaixada fazendo aquilo.


Faço eu, fazemos nós

E nesse dia, nasceu oficialmente o Deixa Que Eu Faço, um workshop de manutenção residencial (hoje apenas para mulheres) que fala de ferramentas manuais, furadeira, hidráulica, elétrica e pintura, com aplicação totalmente prática e que decodifica uma informação técnica que às vezes chega até nós de forma tão dura e complexa, em algo leve, divertido e aplicável.

Pro primeiro curso aberto eu fiz um post no Facebook e, mais do que gente interessada, a resposta mais legal foi ver quantos amigos responderam coisas como “Mari, sua cara esse curso”, ou “Caracas, lembro de quando vc consertou aquele sifão em casa, que demais vc ensinar isso para os outros”. Mais do que a ideia em si, me alegrou demais a resposta do “isso é a sua cara”.... e isso confirmou tanta coisa que eu sentia.


A quantidade de material no primeiro curso (esq.) e no curso 15

Desde então, os cursos seguem rolando e eu comecei a reforçar outras percepções e motivações que acompanham esse movimento. Uma que eu acredito de verdade, é que quanto mais habilidades temos e mais coisas sabemos fazer, menos perrengue a gente passa e traz mais criatividade e flexibilidade pra vida. É como se aumentássemos nosso instrumental interno e conseguisse lidar melhor com as situações e demandas que a vida nos apresenta.

Também, vejo que criar e consertar as coisas muda a relação com nós mesm@s, nossos objetos e o ambiente que nos cerca. Quando a gente se apropria desse conhecimento e aplica aos espaços onde vivemos, uma resistência queimada deixa de ser um porre de um problema e vira uma oportunidade de aprendizado prática. E quanto mais a gente pratica e mais curios@ fica, mais fácil as coisas vão ficando e mais vamos tomando nossos espaços como nossos.


O que se faz fora e dentro da gente

E de uma forma bem sutil, mas bem poderosa, tenho visto o quanto o fazer “fora” mexe também com a gente, dentro. Ao usar uma furadeira pela primeira vez, é incrível ver nessas mulheres a sensação de poder, de conquista e de “eu consigo sim!”. Muitas chegam lá tendo ouvido tantas vezes que elas jamais conseguiriam fazer essas coisas, que mulher não dá conta disso ou que pra fazer isso direito tem que ser homem. E como é bom ver cada uma, do seu jeito e no seu tempo, desconstruir isso e fortalecer essa sensação de “quer saber, eu consigo fazer isso sim, deixa que eu faço”. E taí também o porquê do nome da oficina, essa pequena provocação a todas essas falas...


Desde que tudo começou, me sinto bem grata por poder compartilhar com cada uma um mundo novo de conhecimentos e poder criar um ambiente bacana e seguro pra tentar, errar, fazer de novo, experimentar, até sentir que aprendeu mesmo. E me sinto grata a elas também por me ajudarem a resgatar e expandir tantos desses sentimentos dentro de mim.


Meu desejo é que nós mulheres (mas na real, todo mundo!), além de consertar as coisas em casa, passemos também a duvidar dessas vozes que colocaram na nossa cabeça de que a gente não consegue isso ou aquilo. Porque a gente consegue sim, e muito mais do que imaginamos.

Ah, e até hoje, eu sigo não jogando quase nada fora - não sem antes tentar eu mesma consertar ; )



(aqui eu conto só um pedacinho dessa história numa matéria sobre o DQEF que saiu na Record. Pra ver tudo, é só clicar nesse link aqui :)

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